O director-geral da Mosaiko, organização angolana de promoção dos direitos humanos, disse hoje que é preciso aumentar e melhorar a partilha de informação entre Governo, empresas e os cidadãos quando se fala na extracção de recursos naturais. Provavelmente se, parafraseando o Presidente da República, “haver” necessidade, seria bom ensinar ao MPLA a diferença entre diálogo e monólogo.
Frei Júlio Candeeiro falava em Luanda, à margem de uma conferência promovida pela Tchota, plataforma que integra várias organizações não-governamentais (ONG) nacionais, que durante dois dias vai abordar vários temas à volta do lema “Recursos Naturais, uma Bênção para Todos”.
Convidado a abordar o tema sobre “A Visão da Sociedade Civil sobre o Processo de Adesão de Angola à ITIE [Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva]”, Júlio Candeeiro elogiou a candidatura de Angola à iniciativa, esperando que a adesão não seja “só mais uma operação de charme”, mas que o país “se esforce verdadeiramente por implementar as normas e os critérios desta iniciativa, porque é muito boa”.
“É um espaço em que os países se comprometem a gerir, fazer contratos transparentes, produção transparente e, sobretudo, que é ali onde tem sido problema para muitos Estados, uma gestão transparente”, disse. A fazer fé no ADN do MPLA, tanta transparência vai acabar por ser opacidade.
Segundo o director-geral da Mosaiko, o processo implica partilha de informação, o que “é muito bom para os países e é muito bom para Angola, que todo esse processo da extracção dos recursos naturais, da gestão das receitas provenientes da extracção dos recursos naturais, seja transparente”.
Apesar de considerar que o país “ainda está muito longe” de atingir esse nível, “vale a pena a intenção”.
“Não estamos aqui para deitar tudo abaixo, pensamos que é uma boa iniciativa que Angola tenha manifestado interesse de aderir à iniciativa, mas ainda há um caminho longo por se fazer e a nós, como sociedade civil, o que preocupa é que ao mesmo tempo que o Estado manifesta interesse de aderir à ITIE também faz passar normas internas que ainda estão aquém deste processo”, afirmou. O responsável referia-se à recente aprovação de lei que permite a exploração de petróleo em zonas ambientais protegidas.
“Não posso deixar de referir, com muita tristeza, a lei que permite a extracção de petróleo na bacia do Okavango, que foi uma coisa [feita] muito a correr, já tínhamos começado a falar da adesão à iniciativa e são sinais que não são muito bons, não são no espírito da iniciativa”, acrescentou.
Para Júlio Candeeiro, Angola deve priorizar nesse processo a melhoria da comunicação e transparência: “Pensamos que a primeira coisa que temos todos de fazer é esforçarmo-nos para comunicar melhor e sermos mais transparentes. Se se comunica, se se partilha informação entre os diversos ‘stakeholders’, os diversos actores, depois compreende-se o processo de decisão. O que tem faltado em muitos dos casos na nossa terra é partilha de informação”.
De acordo com Júlio Candeeiro, muitas vezes as comunidades mais directamente expostas ao processo de extracção não têm direito à informação “e por isso há ruídos, há zonas cinzentas, que não permitem que se perceba os critérios e se definam em conjunto, o que é prioritário”.
O responsável da ONG destacou ainda que é obrigação do Estado garantir que, na negociação de contratos, os direitos das comunidades sejam salvaguardados em primeiro lugar e depois se discuta, a nível do Orçamento Geral do Estado, que este benefício chegue a todos.
“Nós podemos ser beneficiários indirectos, porque estamos a quilómetros das zonas das minas, mas aquele povo que vai ao rio e encontra água contaminada, que tem de ingerir a poeira da produção ou o povo que acorda e vê o seu peixe morto, porque houve um derrame, este povo não pode ser tratado como quem está aqui em Luanda só a ver os dólares da produção e o Estado tem de garantir isso”, defendeu.
Por sua vez, o director de Intercâmbio do Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, Luís Monteiro, disse que o comité nacional de coordenação, composto por 33 membros, realizou a sua primeira reunião em Abril deste ano e elaborou e aprovou um plano de trabalho, bem como um orçamento, que está na sua fase de implementação.
O representante governamental disse que Angola está a sair daquilo que é a exploração intensa de diamantes, está a disciplinar esta actividade em todos os pontos onde ocorre e está a desenvolver novos projectos, nomeadamente ouro, rochas ornamentais, terras raras, exploração de ferro.
Luís Monteiro, instado a comentar as queixas frequentes da população local por não beneficiarem directamente dos seus recursos naturais, respondeu que “isto é um processo” que já está a acontecer.
“Acontecer já está a acontecer, há um conjunto de projectos que estão a ser implementados e cada um desses projectos tem a componente social e há uma tendência de levar essa actividade para aquelas áreas onde efectivamente os recursos são extraídos”, argumentou.
Operações Resgate e… Transparência
A psicose pela inclusão da palavra transparência em tudo não torna o país mais ou menos transparente, não faz dele um Estado de Direito Democrático. Mas como a comunidade internacional gosta, ao Governo do MPLA não custa colocar a transparência em tudo.
Todos nos recordamos que as autoridades angolanas (que há 46 anos estão no poder sem qualquer tipo de transparência) até estenderam a “Operação Transparência”, iniciada a 25 de Setembro de 2018, para a costa marítima para prevenir – explicaram – actos de pesca ilegal e de tráfico de pessoas e bens.
Em Março de 2019, numa conferência de imprensa, o porta-voz da “Operação Transparência”, comandante António Bernardo, indicou que os cerca de 1.650 quilómetros de costa atlântica, bem como toda a área da plataforma continental angolana, iriam ser patrulhados “por várias forças de segurança”, garantindo que as autoridades “serão implacáveis” no combate às infracções.
A “Operação Transparência” foi inicialmente lançada em terra em sete províncias – Lunda Norte, Lunda Sul, Malanje, Moxico, Bié, Uíge e Zaire -, tendo progressivamente sido estendida a todo o país.
Em Novembro de 2018, o então ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, esclareceu (disse o Governo) perante as Nações Unidas, em Genebra, as medidas tomadas “que visam impedir a continuação de práticas que têm lesado profundamente” o país no quadro da “Operação Transparência”, parente chegado da “Operação Resgate”.
Respeitando as superiores ordens do então Ministério da Comunicação Social, o Jornal de Angola deu ao assunto o título: «Angola repõe a verdade na ONU sobre a “Operação Transparência”». Mais modesta, a Angop titulava: «Angola esclarece posição em Genebra».
Segundo uma nota do Ministério das Relações Exteriores, Manuel Augusto explicou a situação durante um encontro com a Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, em que, lê-se no texto oficial, deu a conhecer a versão de Angola (MPLA) sobre a operação, “com vista a repor a verdade”.
Manuel Augusto, acrescentava-se na nota de imprensa, disse a Michelle Bachelet que a verdade “tem sido adulterada pela difusão de informação relacionada com as alegadas expulsões massivas e forçadas de cidadãos estrangeiros e consequentes violações de direitos humanos dos mesmos”.
“Angola deplora a publicação dessas informações, caracterizadas pela não-observância dos usos e práticas de imparcialidade, isenção e objectividade que devem reger os princípios e normas de procedimentos que exigem que o Estado acusado possa apresentar a sua versão sobre os factos”, refere o documento, citando as palavras ditas pelo então chefe da diplomacia angolana à Alta-Comissária.
Foi visível nesta declaração que o então Ministro Manuel Augusto frequentou, certamente com sucesso pleno, o Curso Nacional em Liderança e Gestão de Comunicação para Mudança de Comportamento, no âmbito da reciclagem e actualização do doutoramento em “Educação Patriótica”.
“O ministro passou a mesma mensagem no encontro com o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Fillipo Grandi, sediado em Genebra, e esclareceu as duas entidades que a operação visa prevenir eventuais fontes de financiamentos para alimentar e sustentar possíveis grupos armados susceptível de desestabilizarem países da região dos Grandes Lagos”, acrescentava-se na nota.
Mais grave do que os prejuízos económicos resultantes da exploração ilegal dos recursos, prosseguia a nota, “são os danos causados à natureza por todo o tipo de escavação e utilização de explosivos, provocando alterações ambientais e efeitos negativos irreparáveis no ecossistema angolano”.
No comunicado foi indicado que Angola continuará a colaborar com todas as instituições internacionais, incluindo a Comissão dos Direitos Humanos da ONU e com o ACNUR para o mesmo fim, “tendo sempre presente os princípios do respeito pela soberania e integridade territorial”.
Transparência (quando existe) significa confiança
A transparência no processo de realização da despesa pública representa para o Estado angolano um compromisso de confiança para a sustentabilidade das finanças públicas, com vista à concretização dos ditames da equidade na redistribuição dos rendimentos nacionais, disse, em Luanda, o secretário de Estado do Tesouro, Leonel Silva. Isto em, em, em… 2014.
Ao intervir no lançamento do Portal de Contratação Pública, por ocasião da semana das finanças públicas, Leonel Silva disse que a igualdade e concorrência no fornecimento de bens e serviços ao Estado têm reflexos na promoção e dinamização do mercado da contratação pública que leva à realização da despesa pública a preços mais competitivos, garantindo maior eficiência e qualidade dos bens e serviços adquiridos.
Leonel Silva referiu que a modernização e actualização dos instrumentos de aquisição pública visam a criação de sistemas informáticos de acesso público, contribuindo para a reforma da administração pública e, consequentemente, o seu alinhamento e projecção aos níveis de exigência internacional, representando para os cidadãos a satisfação das suas necessidades.
Sublinhou, recorde-se que isto foi em… 2014, que o Portal de Contratação Pública contribui como um veículo de informação para a abertura nacional e internacional do mercado de contratação pública.
No mercado de contratação pública, a disponibilidade de informações simétricas permite aos fornecedores vender os seus produtos a um universo mais dilatado de entidades públicas contratantes e, a estas, adquirir bens e serviços a preços mais competitivos, frisou Leonel Silva.
Na ocasião, a directora da Contratação Pública, Rosária Filipe, sublinhou que o Portal da Contratação Pública juntava-se ao leque de instrumentos que vão sendo continuamente colocados à disposição dos intervenientes e do público, por forma a uniformizar boas práticas em matéria de contratação pública, através da disponibilização de informações pertinentes sobre o estado da contratação pública.
“É nosso entender, ver consolidada, cada vez mas, a ideia de que apenas com rigor e transparência na contratação pública se alcançará a sustentabilidade da mesma“, disse.
Informou ainda que a contratação pública visa promover a concorrência e competitividade entre os fornecedores do Estado, aumentar a transparência e conformidade com os requisitos ligados à contratação pública e também auxiliar na uniformização das políticas, processos e procedimentos da contratação pública.
Folha 8 com Lusa